Narcopentecostalismo: como agem os “traficantes evangélicos” dentro das comunidades

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Foto: reprodução

É possível ser evangélico e fazer parte do tráfico de drogas? Para certas facções criminosas do Rio de Janeiro, sim. Além disso, em favelas como Parada de Lucas, Vigário Geral, Cidade Alta, Cinco Bocas e Pica-Pau (conhecidas como Complexo de Israel), não apenas existem igrejas financiadas pelo tráfico, mas também líderes religiosos que comandam a atividade criminosa na região.

Um desses líderes de facção é Álvaro Malaquias Santa Rosa, também conhecido como Peixão. Há oito anos, ele lidera o tráfico e também se identifica como pastor evangélico. Essas organizações criminosas que adotam narrativas evangélicas também são chamadas por alguns pesquisadores de "narcopentecostalismo".

Viviane Costa, pastora e cientista da religião, autora do livro "Traficantes evangélicos: Quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus", afirmou em uma entrevista à Agência Brasil que Álvaro Malaquias alega receber "instruções divinas" através de revelações e visões com estratégias para dominar o tráfico na região.

"Ele obtém essa experiência religiosa por meio de leituras bíblicas e instruções espirituais que afirma receber durante suas práticas de oração em locais sagrados ou em casa. Ele aplica essa experiência religiosa na estrutura, dinâmica, ética e estética do Complexo de Israel", diz Viviane, que pesquisou essas comunidades cariocas por anos para escrever seu livro.

Para ela, o termo adequado para descrever esse movimento seria "narcorreligião" em vez de "narcopentecostalismo", uma vez que o uso da religião como meio de coação não é algo novo nas favelas do Rio de Janeiro.

"A presença da religião na estrutura do crime não é algo novo. Eu prefiro usar 'narcorreligião' para pensar de forma mais ampla o papel das identidades religiosas no tráfico de drogas no Rio de Janeiro", justifica.

Inspiração nos guerreiros do Antigo Testamento

A pastora e pesquisadora também explica por que o livro do Antigo Testamento é amplamente utilizado por essas facções criminosas. Segundo ela, as histórias de guerreiros como Davi e Josué, designados por Deus para libertar o povo escolhido da opressão inimiga, são narrativas perfeitas para estimular as ações do tráfico.

"Nos textos do Antigo Testamento, são evocadas imagens de Davi, Josué e dos guerreiros conquistadores de terras, além das promessas feitas por Deus. São homens fortes que invadiram territórios, mataram pessoas e estabeleceram a vitória do Deus de Israel sobre as outras cidades e povos do Antigo Testamento", justifica.

Em situações críticas, criminosos procuram "homens de Deus"

No entanto, apesar der haver igrejas que aceitam o dinheiro do tráfico e compactuam com o erro, há também pastores e denominações sérias, que não se envolvem com o crime, que possuem a chamada “blindagem moral”, termo utilizado para se referir aos que são considerados os verdadeiros “homens de Deus”.

“Os reconhecidos assim são os que dão bom testemunho, não se envolvem e não aceitam o dinheiro do tráfico, não escondem armas, não participam da dinâmica do crime. Esses são muito respeitados. São esses ‘homens de Deus’ que eles procuram para orar pela vida deles e pedir proteção para não morrer em um confronto”, ressalta a pastora.

Saiba mais em:

Livro: Traficantes evangélicos: Quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus
Autora: Viviane Costa
Editora: Thomas Nelson Brasil
Páginas: 176
Sinopse: Traficantes evangélicos é resultado de uma pesquisa que investiga o fenômeno da associação entre traficantes de drogas e a fé evangélica nas comunidades do Rio de Janeiro. Esse fenômeno narcorreligioso carioca instiga perguntas provocantes, como: é possível ser traficante e evangélico? É possível dizer quem são os traficantes evangélicos? Existe um perfil evangélico comum entre os que se autodeclaram cristãos? Qual é a relação da igreja com os traficantes evangélicos? Como o nome de Deus pode ser usado em contextos de violência? Quais textos bíblicos sustentariam essa estrutura?

Essas e outras questões começaram a ser respondidas por pesquisadores no campo religioso na última década e vivenciada por líderes religiosos locais. É a eles que Viviane Costa se une ao aprofundar-se no fenômeno investigado neste livro ? uma obra que convida a conhecer a fé e as lutas de quem vive e trabalha na favela e serve a um Deus que se revela, ali, um com eles.

 

Por: Alzira Gavilan

Com informações: Revista Comunhão