MS pode ter evangélicos vitimas de golpe com promessa de R$ 1 milhão

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A Polícia Civil divulgou na última quinta-feira (14) que pode chegar a 500 o número de pessoas em Mato Grosso e em pelo menos outros cinco estados do Brasil que foram vítimas de um esquema de golpe financeiro praticado por uma quadrilha com ramificação na cidade de Primavera do Leste (a 239 km de Cuiabá) responsável por oferecer rendimentos de cerca de R$ 1 milhão por pessoa pela compra de contratos fraudulentos de exploração de ouro em supostas jazidas localizadas no estado de Mato Grosso do Sul.

A Polícia aponta que o grupo conta com integrantes ligados a congregações evangélicas em Primavera do Leste para arregimentar “investidores” com a promessa de se tornarem milionários. Até hoje, ninguém recebeu qualquer valor prometido.

Cerca de 80% das vítimas em Primavera do Leste são ligadas a igrejas evangélicas e não acreditam que caíram em um golpe, mesmo diante do fato de sequer terem recebido recibo pelo pagamento dos contratos que adquiriram.

“Quase ninguém procurou a delegacia. Tem gente aqui em Primavera do Leste que acredita que vai ganhar R$ 300 milhões sem fazer nada. A gente não tem dúvidas de que é um golpe elaborado usando a fé das pessoas”, explicou ao o delegado Rafael Fossari, da Polícia Civil.

Golpe financeiro
As investigações, que ainda estão em curso, provocaram a expedição de mandados judiciais de busca e apreensão, de condução coercitiva e de bloqueio de contas bancárias cumpridos na última quarta-feira. A Polícia Civil em Primavera do Leste também já indiciou duas pessoas na cidade pelos crimes de formação de quadrilha, estelionato e uso e adulteração de sinal ou selo público. Pelo menos outras quatro pessoas são investigadas na cidade e poderão ser indiciadas também.

Segundo o delegado Fossari, o inquérito na cidade tem como foco braços de uma quadrilha interestadual e já existem investigações fora de Mato Grosso a respeito do grupo. As ramificações do grupo estariam em estados como Mato Grosso do Sul,Goias.

Conforme divulgado pela Polícia Civil, a quadrilha tem agido oferecendo contratos de exploração mineral pelo preço médio de R$ 2 mil com a promessa de que, em questão de meses, o rendimento advindo das atividades previstas nos papéis pode chegar a R$ 1 milhão por comprador.

O rendimento de tais contratos estaria atrelado ao julgamento de uma ação judicial supostamente em trâmite na Justiça do estado de Mato Grosso do Sul. Entretanto, segundo Fossari, nenhum integrante do grupo conseguiu explicar à Polícia Civil até o momento qual é exatamente o elo entre a ação judicial em Mato Grosso do Sul e a rentabilidade das supostas jazidas.

Segundo o delegado, a alegação do grupo é de que existem três jazidas de ouro no estado vizinho que teriam sido transferidas para exploração por empresas estrangeiras. Agora, a ação judicial estaria “repatriando” o direito de exploração das jazidas, mas os novos concessionários estariam vendendo cotas de participação por meio de contratos a fim de evitar a alta incidência de impostos sobre o altíssimo rendimento esperado, que seria de R$ 3 trilhões.

“Não há explicação entre a exploração de ouro, os contratos, a ação e os rendimentos. E como é que existiria em Mato Grosso do Sul um negócio desse valor sem ninguém saber, sem nenhuma grande empresa envolvida, só algumas poucas pessoas? Isso é fantasioso, não tem a menor lógica”, declarou o delegado, comentando que o valor serviria até para pagar a dívida externa do Brasil.

Capelão evangélico
Um dos principais investigados pela Polícia Civil em Primavera do Leste é Gleison França do Rosário, que se apresenta como capelão evangélico e responsável pela venda dos contratos fraudulentos. Ele foi alvo de mandados judiciais de condução coercitiva, busca e apreensão e de bloqueio de conta bancária. Ele já foi indiciado por estelionato, formação de quadrilha e adulteração de selo público (por circular em Primavera do Leste com uma caminhonete adesivada com brasões da República Federativa do Brasil e os dizeres “Autoridade Eclesiástica”).

Segundo Fossari, Gleison tem afirmado que, com base nos contratos que possui, tem direito a receber R$ 5 bilhões (o equivalente a um terço do orçamento do estado de Mato Grosso para o ano de 2016).

A reportagem do portal G1 tentou entrar em contato com Gleison França do Rosário, mas o telefone celular dele está em poder da Polícia Civil, mediante cumprimento do mandado de busca e apreensão. Entre os pertences de Gleison a Polícia encontrou uma lista com cerca de 500 nomes de vítimas de todo o país. No aparelho de telefone celular, a Polícia já encontrou pelo menos 10 grupos no aplicativo WhatsApp no qual pessoas de todo o Brasil – vítimas ou integrantes da quadrilha – mantêm diálogos a respeito dos contratos e do dinheiro prometido

Em pelo menos um desses grupos, chamado “Os Milionários”, Gleison tem publicado vídeos nos quais tenta “apacentar” os “investidores”, pedindo para terem paciência, dizendo que serão abençoados por Deus e até explicando como deverá funcionar o abatimento de impostos para cada R$ 1 milhão obtido (ele chega a discorrer sobre alíquotas de imposto de renda, impostos municipais e estaduais). Em outro momento, Gleison também se queixa da desconfiança sobre os negócios do grupo e pede para os “duvidosos” procurarem-no pessoalmente para receberem o dinheiro de volta, mas adverte que esses vão acabar “chorando” no final.

Durante o interrogatório na Polícia Civil nesta quarta-feira, Gleison permaneceu calado. Já um dos comparsas de Gleison, também indiciado, foi interrogado e afirmou à Polícia que apenas repassa ao capelão os valores obtidos com a venda dos contratos. A reportagem tentou comentar as investigações com o advogado dele, Felipe Nogueira, mas ele não atendeu aos telefonemas durante a tarde desta quinta-feira.

A reportagem conseguiu falar com o pastor Ademir Reis, líder da Igreja Batista Independente (IBI) em Primavera do Leste. Por telefone, ele defendeu a licitude dos contratos sob investigação, disse que eles existem há cerca de seis anos, informou que é um dos investidores e assegurou que um advogado de Campo Grande (MS) apresentará os documentos comprobatórios em breve.

Sobre Gleison, afirmou que o capelão é uma de suas “ovelhas” e disse que “nada leva a crer que ele é um estelionatário”, atribuindo os indícios de irregularidades encontrados pelas investigações à conduta de pessoas que estariam utilizando os contratos para fins escusos, sem a anuência dos efetivos gestores.

Fonte: G1